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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Viena
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

VIENA-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

FISIONOMIAS E DIÁLOGOS DO URBANO
Viena, 8 a 9 de fevereiro de 2003

Súmula

 

A análise das condições urbanas atuais, sobretudo nos grandes complexos de urbanização descontrolada de grandes áreas, representa um desafio aos estudiosos. Parece ser difícil examinar os processos em ação a partir de conceitos convencionais da urbanística e arquitetura.

Um dos principais problemas reside sobretudo na aparência amorfa dessas áreas, na dificuldade de percepção de fisionomias urbanas. A similaridade visual das cidades e de áreas urbanizadas em todo o mundo, a aparência indiferenciada de cidades "edge", de periferias, de favelas e de bairros pobres mostra que o processo denominado de difuso nos estudos europeus não pode ser restrito à Europa. A questão da fisionomia ou das fisionomias da cidade é de importância global.

A idéia de uma fisionomia caracterizadora das cidades não é nova. A discussão, porém, tem sido marcada no passado recente sobretudo pela noção de que a fisionomia seria ou deveria ser expressão de exigências materiais. Torna-se necessário rever as correntes da arquitetura e do urbanismo que se destacaram por essa orientação. Uma tentativa desse tipo pode ser privilegiadamente encetada a partir de estudos dedicados a Viena.

Pela passagem do século, Viena, como muitas outras metrópoles européias e americanas, experimentou um grande crescimento demográfico e de expansão urbana. A vinda de imigrantes de vários territórios do Leste do Império Austro-Húngaro levou à intensificação do cosmopolitismo da metrópole e ao agravamento dos problemas sócio-econômicos e de habitação. Apesar de todas as tensões, a Viena anterior à Primeira Grande Guerra foi uma cidade de extraordinário dinamismo cultural e de evidente florescimento econômico.

Um dos principais nomes da história da arquitetura inovativa de Viena dessa época crucial foi Otto Wagner. Esse arquiteto, que marcou o fim do Historicismo, sobretudo com o edifício da Caixa Econômica dos Correios (1903/4), exerceu também considerável influência na reforma das concepções urbanas.

No seu estudo "A Grande Cidade" (1911), O. Wagner defendeu um processo racional de urbanização. Esse processo obrigaria o projetista a dar forma simbólica às exigências materiais e econômicas da grande cidade. A arquitetura deveria entrar em diálogo com as obras do passado, adaptando as soluções históricas às exigências atuais. Com esse diálogo, a cidade ganharia uma fisionomia. Esse diálogo processar-se-ia de forma diferenciada.

Outros arquitetos sugeriram soluções menos rígidas do que as de Otto Wagner. Assim, J. Plecnik, que veio da escola daquele arquiteto, chegou a ponto de defender o uso de estilos das diversas épocas na construção moderna. Cada época teria criado algo útil e o artista poderia abrir as portas do passado e enriquecer a vida moderna com formas artísticas e idéias de outros tempos.

Segundo Iain Boyd Whyte, em recente estudo (Wien zwischen Erinnerung und Modernität, in E. Blau u. M. Platzer, hg. Mythos Großstadt, München, 1999, 125ff.), as principais idéias defendidas por Plecnik seriam:
1) A história se revela não através do saber científico, mas sim através de uma aproximação artística;
2) A história teria um duplo sentido: ela deveria procurar o modêlo original, universal de forma, medida e rítmo, e, ao mesmo tempo, investigar como esses elementos poderiam receber cunhos específicos locais;
3) os critérios formais assim analisados se relacionariam entre si e com o contexto, podendo levar a novas criações originais.

Tais concepções permitem compreender a freqüência de usos de formas históricas de diferentes proveniências nas obras de arquitetos de Viena. A partir desse pano de fundo é que se pode compreender a ânsia pela ordem e as tendências a uma orientação neo-classicista.

A idéia de diálogos entre soluções históricas e atuais da arquitetura e do urbanismo para a definição da fisionomia ou de fisionomias de cidades passou a ser novamente discutida na política urbana e cultural de várias cidades.

Do ponto de vista da análise urbanológica, poder-se-ia então dizer que a atenção deveria ser dirigida a relações percebidas como diálogos existentes entre edificações e espaços urbanos. A atenção seria concentrada não na procura de uma fisionomia estável, claramente caracterizada por determinados edifícios e logradouros. Ela seria dirigida à detectação de processos dinâmicos, ao diálogo entre o histórico e o atual.

O problema da concepção de Otto Wagner, porém, parece residir na sua concepção de que a arquitetura e a cidade devam ser expressões de exigências econômicas e materiais. Essa proposta pode ser válida como diretiva criadora. Na análise, porém, representa uma delimitação muito séria se o diálogo existente entre os edifícios e os espaços históricos e atuais fosse apenas guiado pela noção de que somente exigências materiais e econômicas tenham dado forma simbólica às edificações e áreas.

Uma perspectiva dirigida antes à vida das cidades, ou seja, ao relacionamento entre a vida ativa, de trabalho, e a vida imaterial, poderia talvez solucionar este problema. O diálogo a ser captado e examinado residiria antes no relacionamento entre essas duas formas de vida. Com isso, a fisionomia da cidade não seria de forma alguma apenas determinada por relações nas suas aparências materiais, mas sim na percepção de algo quase que inefável, atmosférico, o que poderia, com maior razão, ser denominado de fisionomia.

Antonio Alexandre Bispo

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