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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Jena
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

JENA-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

MUDANÇAS DE PARADIGMAS NA CONCEPÇÃO DE VIDA ATIVA E A URBE
Jena, 7 de junho de 2003

Súmula

 

Sendo as categorias de vida ativa e vida contemplativa ou mental de relevância fundamental no estudo das concepções urbanas, em função de sua inserção na ordem simbólica da cultura do Ocidente, as transformações das idéias referentes ao trabalho e ao seu valor influenciam necessariamente todo o complexo de noções urbanológicos.

No Leste europeu, dada a fundamentação materialista de cunho marxista das concepções de Estado e da sociedade, o trabalho, a vida de trabalho e, assim, a vida ativa estiveram durante décadas à base das reflexões relativas à cidade. Com a queda do muro de Berlim e a transformação política do Leste, criaram-se novas condições para um repensar das possíveis unilateralidades dos conceitos urbanísticos. Não é fácil, porém, coadnur as diferentes fases históricas, os seus resíduos construídos e os traços deixados por tendências deconstrutivas do passado em soluções coerentes e propiciadores de novas urbanidades. Já não se trata apenas da coadunação de fragmentos arquitetônicos. Trata-se da superposição de princípios conflitantes do pensamento urbanológico, nem sempre totalmente concretizados, ou seja, eles próprios fragmentários. No conjunto de idéias vigentes durante décadas no mundo socialista, poder-se-ia dizer que não havia lugar para a noção de uma natureza dupla da cidade, correspondentemente à tradição filosófica de distinção entre dois tipos de vida, a ativa e a contemplativa. A política urbana de muitas cidades foi, assim, por décadas, caracterizadas por uma profunda modificação da substância histórica herdada.

A base do urbanismo socialista da República Democrática Alemã foi criada com a publicação dos "Fundamentos da Construção de Cidades" pelo Conselho de Ministros, em 1950. Já no preâmbulo desse documento fica evidente a importância dada ao urbanismo sob o ponto de vista do Estado. A cidade não deveria ser apenas uma expressão da nova ordem social mas sim também um cerne da transformação e ordenação socialista do Estado. A estrutura da cidade deveria ser democrática e nacional: democrática quanto ao conteúdo e nacional quanto à forma. O critério da centralidade surgia aqui com nova força. O centro da cidade deveria ser o núcleo central administrativo, cultural e político. Um singular historicismo impregnava as concepções. A cidade deveria corporificar as experiências do povo concretizadas nas tradições progressistas do passado. Afastando-se claramente das propostas da Carta de Atenas, esse documento salienta a importância da adaptação de modêlos históricos, negando também o conceito de paisagem urbana verde.

Se a Carta de Atenas remonta a um cruzeiro marítimo, os "Fundamentos" do Conselho de Ministros da antiga DDR originaram-se de uma viagem de estudos a Moscou, efetuada em 1950. As principais tendências do pensamento foram então dirigidas à crítica de um formalismo ocidental e do cosmopolitismo. Pensava-se num realismo socialista que, abandonando o modernismo formal, proporcionasse às cidades uma fisionomia historicamente fácil de ser assimilada, bem organizada e monumental. Após 1954, porém, por razões sobretudo econômicas, esses conceitos foram abandonados a favor de soluções racionais, econômicas e funcionais.

Com a nova mudança de paradigmas causada pela queda do sistema político da antiga República Democrática Alemã, surgiram tendências de remodelação dos princípios seguidos e de reconstrução de áreas degradadas. Uma cidade como Jena, por exemplo, de antigas tradições culturais, cuja história está marcada sobretudo pelas suas instituições universitárias, os traços desse passado caracterizado por tendências conflitantes podem dar margens a reflexões de interesse supra-local.

O desenvolvimento industrial marcou profundamente a história da cidade, desde meados do século XIX. Com o bombardeamento de 1945, grande parte do centro da cidade foi destruído. Alguns dos edifícios historicamente mais importantes foram reconstruídos ou substituídos. Mais tarde, em fins da década de sessenta, grande parte da cidade histórica foi demolida para dar lugar à ampliação de indústrias e construção de moradias de trabalhadores. Poucas cidades oferecem, assim, um exemplo tão claro da preponderância dada por décadas à vida de trabalho na urbe sob o ponto de vista socialista. A indústria e as residências operárias estão presentes agora no centro da cidade, marcam a sua fisionomia muito mais do que as construções históricas de igrejas e de edifícios culturais. Com a mudança do sistema político, a transformação de suas bases conceituais leva naturalmente a problemas com relação a essa situação criada. Trata-se de um estado de fragmentação urbana, é verdade, mas uma fragmentacão que não se refere apenas ao material construído, mas sim aos conceitos urbanológicos inerentes às medidas de política urbana tomadas no passado recente.

Antonio Alexandre Bispo

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