São Paulo 450 Anos
Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)
LONDRES-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO
BIOMIMETISMOS, MUTABILIDADE E ADAPTAÇÕES
Londres, 30 de dezembro de 2003
Súmula
Entre as tendências arquitetônicas da atualidade de maior relêvo para a discussão científico-cultural pode-se salientar aquela que estabelece relações interdisciplinares entre a arquitetura e a biologia.
Edíficos e projetos urbanísticos associados a animais, reconhecidos facilmente pelo observador preparado para a percepção desses vínculos já marcam decisivamente vários empreendimentos de extraordinário significado. Também marcam sutilmente a realidade urbana em várias cidades.
Torna-se necessário, portanto, reflexões mais aprofundadas a respeito
dos fundamentos e das conseqüências dessas atuais tendências,
sobretudo com relação a sua aplicabilidade em países não-europeus.
Um dos grandes eventos dedicados a essas tendências atuais do
pensamento arquitetônico foi a exposição Zoomorphic, levada a
efeito no Victoria & Albert Museum de Londres. Longe de poder
ser comparada, na qualidade de sua apresentação, com a concomitante
exposição de arquitetura "non standard" no Centro Pompidou, em
Paris, essa exposição teve a qualidade de oferecer aos visitantes
uma introdução facilmente compreensível à discussão dessas correntes
atuais da arquitetura e urbanismo, que surgem quase que como um
verdadeiro movimento. Bases teóricas para as reflexões foram oferecidas
pela publicação de Hugh Aldersey-Williams denominada de "Zoomorphic:
New Animal Architecture", publicada por Laurence King Publishing
Ltd, Londres, no mesmo ano de 2003.
Parte-se, nessas reflexões, das diferentes possibilidades de enfoque
das relações entre a arquitetura e os animais. Em primeiro lugar,
essas relações podem ocorrer apenas sob um ponto de vista simbólico.
Neste caso, as construções representariam animais-símbolos, fato
conhecido de muitas culturas. Entre os escritórios de arquitetura
da atualidade que teriam criado obras que apresentam esse tipo
de relação citam-se aqueles de Gehry, de Calatrava, de Tsui, de
Michael Sorkin, de Gregory Burgess, de C.F. Möller e Snohetta/Stephen
Spence. Os aspectos aqui levantados pela exposição e por Hugh
Aldersey-Williams não cobrem, nem de longe, a gama de possibilidades
de tratamento do tema. As relações simbólicas entre a arquitetura
e o simbolismo animal não podem ser apenas consideradas isoladamente.
Há a necessidade de consideração do animal no conjunto das expressões
simbólicas. Trata-se, no fundo, da avaliação da animalidade na
ordem simbólica da cultura ou das culturas. Já aqui se percebe
que as reflexões devem ir muito mais a fundo, pois dizem respeito
a conceitos fundamentais das concepções antropológicas.
Distinguindo o uso de formas animais na arquitetura do emprêgo
simbólico das mesmas, H. Aldersey-Williams salienta a importância
do uso funcional de formas animais tanto com relação à estática
quanto com relação a aspectos dinâmicos da construção. Aqui, analisam-se
projetos de estúdios arquitetônicos de Wilkinson Eyre, Renzo Piano,
Foster, Samyn, Moshe Sfdie, Edward Cullinan e, referentemente
à dinâmica, de Nicholas Grimshaw, Fest, Sadar Vuga e Marks Barfield.
Um importante conceito novamente discutido é, neste contexto,
o da organicidade da arquitetura. Tratar-se-ia da importância
de uma coerência estrutural de uma cidade ou de um edifício, a
qual deveria deixar perceber a sua ontogenese e, assim, demonstrar
uma certa inevitabilidade. Quanto à questão do dinamismo, procura-se
refletir aqui a respeito da fundamental distinção que existiria
entre animais e obras arquitetônicas, ou seja a do movimento.
Entretanto, salienta-se que também um edifício se movimenta, embora
de forma quase que imperceptível, reagindo às forças que nele
atuam. Assim, engenheiros teriam procurado soluções para acomodar
esse movimento, encorajando a emergência de formas animais. Um
edifício pode, assim, possuir partes móveis relacionadas com o
meio ambiente, com as variações térmicas e outras. Os criadores
aprendem dos organismos vivos não apenas com relação à estática
de seus esqueletos, mas também no concernente aos mecanismos que
possibilitam o movimento.
Por fim, fala-se de um emprêgo de formas animais por acidente.
Este seria o caso de vários projetos de escritórios tais como
Alsop, Ushida Findlay, Greg Lynn, NOX, Reiser + Umemoto RUR, Ocean,
Asymptote e Jakob+MacFarlane. Sob este aspecto, as reflexões são
dirigidas sobretudo ao desenvolvimento morfogenético no campo
da tecnologia digital. Hoje, arquitetos estariam eles próprios
produzindo designs orgânicos sem intenção de o fazer, o que pode
ser visto, em parte, como uma reflexão do desenvolvimento do trabalho
computarizado. Segundo John Frazer, a arquitetura deveria ser
considerada com uma forma de vida artificial, sujeita, como no
mundo natural, a princípios de morfogenese, de codificação genética
e seleção. O objetivo seria a criação de edifícios mais adaptados
ao meio ambiente.
A questão primordial, porém, seria a da validade de um biomimetismo,
uma vez que há uma diferença fundamental entre organismos vivos
e a criação organicista ou quase-orgânica de edifícios e cidades.
Trata-se, também, da discussão da validade de analogias e do uso
metafórico de formas animais em projetos. Uma das justificativas
seria aquela de Julian Vincent, que define o biomimetismo como
sendo a abstração de um bom design a partir da natureza. O biomimetismo
não seria, assim, imitação da natureza, mas sim a seleção judiciosa
de propriedades observadas e do seu desenvolvimento através de
tecnologias artificiais avançadas. Um dos interesses aqui residiria
na melhor integração entre forma e função. Como H. Aldersey-Williams
salienta, a arquitetura biomimética poderia ser considerada, sob
este aspecto, como sendo um desenvolvimento do Modernismo. O procedimento
simpático com a natureza não seria meramente romântico, mas genuinamente
de cunho biológico.
Haveria muito o que aprender da biologia, pois animais oferecem
lições de performance térmica, as plantas mostram modêlos de resposta
à radiação solar, etc.. Assim, a idéia de cidades e edifícios
como organismos constituiria uma visão instigante. Entretanto,
diferentemente dos animais, os edifícios não possuem a capacidade
de auto-recuperação. Poder-se-ia pensar, é verdade, em um design
que fosse capaz de responder, adaptando-se às mutações do meio
ambiente. Como H. Aldersey-Williams salienta, faltaria ainda considerar
a questão da morte. Na natureza, as espécies evoluem, os organismos
individuais se desenvolvem e reproduzem, adaptam-se ao meio circundante
e depois morrem. Talvez fosse possível também levar o projeto
biomimético a tal ponto que o fator morte também fosse incluído
na arquitetura e no urbanismo. Com isso, ter-se-ia superado definitivamente
a idade do monumentalismo.
Antonio Alexandre Bispo