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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Pylos
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

PYLOS-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

MITOLOGIAS DO URBANO: SABEDORIA DE ARGONAUTAS E TOMADA DE TRÓIA
Pylos, 19 de setembro de 2003

Súmula

 

No estudo das múltiplas relações existentes entre urbe e música, a consideração dos fundamentos mitológicos assume papel de particular relevância.

São nos mitos que se encontram chaves para o estudo desses vínculos na forma com que são considerados nas diferentes culturas.

A mitologia, como complexa área de estudos, é caracterizada pela pluralidade. Mitos provenientes das mais diversas culturas e épocas devem ser considerados na devida contextualização. O processo intercultural na Antiguidade levou, porém, a harmonizações de diferentes tradições da linguagem simbólica. Com base nessas harmonizações, sínteses, sincretismos e recuperações de bases comuns a diversos mitos processou-se posteriormente a interpretação cristã da mitologia e a sua inserção transfigurada no edifício conceitual e simbólico religioso. Hoje, a consideração mitológica das cidades deve ser feita a partir de perspectivas múltiplas, adequadas à diversidade e à grande diferenciação dos processos interculturais.

O estudo das bases simbólicas da mitologia greco-romana, porém, continua a ser de fundamental importância para a análise das concepções mitológicas que influenciaram o desenvolvimento histórico de metrópoles ocidentais e que permanecem talvez vivas na realidade edificada e no subconsciente coletivo.

Um dos mitos mais significativos para a musicologia e a urbanologia é o de Ulisses. Já interpretado de diferentes pontos de vista, esse mito assume particular importância para o mundo de expressão portuguesa. Ulisses foi, segundo a mitologia, o fundador de Lisboa, que a ele deve a sua denominação. Ulisses não pode, porém, ser estudado sem a consideração da Odisséia, e aqui as concepções musicais desempenham um importante papel. O episódio no qual Ulisses resiste às tentações das sereias é eminentemente de fundamentação músico-conceitual. Como se sabe, Ulisses deixa-se prender ao mastro do navio e ordena que os ouvidos de seus remadores sejam fechados. Com isso, consegue prosseguir na sua viagem. A amarração do herói ao mastro foi interpretada por muitos autores cristãos como sendo um símbolo de uma necessária união do homem à cruz na sua viagem pela vida: o fiel consegue vencer as tentações do mundo e atingir o seu porto de salvação. Na tradição portuguesa e brasileira, tem-se uma variante desse mito no romance da Nau Catarineta.

Concepções musicais inerentes a essa viagem simbólica estão intimamente relacionadas com o símbolo da nave como veículo de uma comunidade no mar da vida. Tem-se aqui claramente um símbolo de natureza arquitetônica e urbana, pois se trata de uma construção que compreende um grande número de pessoas que convivem num determinado espaço e que são companheiros de viagem durante a vida. Na tradição bíblica, corresponde essa barca à arca de Noé. Na interpretação cristã, ao tipo da Igreja militante. Não é a nave a urbe material, mas sim a cidade imaterial daqueles que pertencem à Igreja, correspondendo assim, alegoricamente, à Jerusalem celestial.

Na linguagem simbólica dos céus, o símbolo da barca está representado pelo navio Argo. O conjunto de concepções músico-urbanológicas leva, assim, à viagem dos Argonautas, mito que necessita portanto ser pormenorizadamente analisado.

Um dos grandes personagens históricos que foi incluído nesse mito, provavelmente como forma para explicar o mistério de sua grande sabedoria, foi Nestor. Filho de Neleus, rei de Pylos, tomou parte na luta entre os Lapitas e os Centauros e em outras ações de grande carga simbólico-antropológica. A sua sabedoria manifestou-se nos conselhos que deu aos gregos antes do ataque contra Troia.

O palácio de Nestor, citado por Homero, acredita-se, foi descoberto pelos arqueólogos próximo a Epano Englianos na baía de Navarino, na costa ocidental da Messênia. Os fundamentos do edifício, do período micênico, revelam uma sala real com depósitos para vinho e óleo, uma ala para hóspedes e um arquivo. De extraordinária importância histórico-cultural são as placas de cerâmica aqui descobertas e que muito contribuíram à decifração da escrita linear B do crético. Elas oferecem dados importantes a respeito da administração e do cultivo de terras da época e, portanto, de relevância para a história da urbanização. Entretanto, o principal significado desse local para a história do urbanismo nas suas relações com a música reside nas sugestões que oferece para reflexões a respeito da Sabedoria, da cidade imaterial dentro da urbe material, e, consequentemente, para interpretações da dicotomia Grécia-Troia para a análise mitológica das condições urbanas.

Antonio Alexandre Bispo

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